O CORPO
UMA RELEITURA DO CORPO FÍSICO VINCULADA À VISÃO DO YOGA
O Corpo Físico é a ferramenta mais acessível para trabalharmos. Quando
uma vida se inicia, inicia-se também um novo projeto: o corpo físico. Esse
projeto tem como objetivo a construção de espaços e estruturas para manter a
pulsação que vai nos possibilitar atividades especializadas, e é já no início da
vida humana que se estabelece um poderoso padrão pulsátil entre mãe e bebê. Nos escritos mais recentes sobre a relação das manifestações corporais com os
aspectos emocionais do indivíduo, podemos obter a informação de que é a
vitalidade do padrão pulsátil, a força e a intensidade das pulsações dos órgãos
que dão energia e identidade pessoal ao indivíduo. A verdadeira identidade surge da
qualidade da sensação das ondas pulsáteis internas dos músculos lisos dos
órgãos.
É através deste veio que este texto pretende passear na vida do
corpo humano, observando as implicações físicas oriundas das combinações de
sentimentos e sensações provenientes de nossas mentes e suas correlações com a
espiritualidade na visão do Tantra Yoga. Sendo assim, podemos tratar o assunto como
uma releitura da anatomia humana de forma geral sob a abordagem dos aspectos
anatômico-emocionais do corpo humano e suas correlações com o Yoga.
v ANATOMIA – CORRELAÇÕES ENTRE
O MATERIAL E O SUTIL
Na anatomia
sutil, o corpo físico, ou denso, é chamado de sthῡla śarīra e é
composto dos cinco mahabutas: espaço,
ar, fogo, água e terra. No processo da Criação, a combinação destes cinco
elementos com as três características básicas de toda e qualquer manifestação
da Criação, os três gunas (rajas, sattva e tamas), é o que define as diferentes naturezas dos indivíduos. Podemos
dizer que o surgimento de uma personalidade humana em um corpo físico é fruto
de um número sem fim de combinações entre os cinco elementos sutis com os três
gunas (ou qualidades de personalidades), uma vez que cada um dos cinco
elementos possui os três gunas.
Mas, o homem
intelectual, provido de uma mente capaz de investigar e desenvolver tantos
conhecimentos, estabeleceu sua visão científica desse corpo na vida humana.
Aqui, pretendo apresentar um pouco desta visão para fazermos uma correlação
entre a visão sutil e a visão material de corpo de emoções, histórias e
registros inúmeros.
Os gunas representam a qualidade das nossas
ações. São as características de nossa formação sutil que representam os
potenciais dos nossos órgãos dos sentidos no corpo grosso. Ou seja, pelo
somatório dos elementos a partir do guna tamas
o corpo grosso é formado. Para que o corpo grosso funcione, é preciso que a
energia sutil, prāṇa, mova as mãos,
os pés, o ânus e as genitais a partir do guna rajas. Por sua vez, o guna sattva
é que move os órgãos internos, a mente, o intelecto, o ego.
Já o projeto do
corpo humano pela visão científica consiste de espaços e estruturas cuja
finalidade é manter a pulsação originária da vida humana para que seja possível
a realização de atividades especializadas. Sendo assim, no processo inicial de
surgimento do corpo físico formam-se as camadas teciduais visíveis (neural,
muscular e orgânica) e uma camada hormonal invisível, que são os líquidos que
geram e regulam o crescimento, a reprodução, a transmissão de informações, os
sentimentos, etc. Através da relação entre essas camadas surgem as experiências
diversas como toque, sons, sentidos externos, temperatura, pressão,
elasticidade, ritmo, motilidade, etc.
Segundo Stanley
Keleman, “o processo somático concerne ao
modo como padrões de sentimentos de bem-estar, de estresse e distresse, e de
emoção são organizados como tipos específicos de pulsação.” É nos espaços
internos do corpo grosso (crânio, tórax, abdomen, pélvis e outros), onde que se
acumulam e se movem os líquidos corporais, que encontramos as funções de vida
mais profundas (reprodução, purificação da água, transformação de alimentos,
etc.). Quando esses espaços internos se tornam densos, entram em colapso ou
resistem à pressão, geram uma mudança na qualidade das sensações e pulsações
que configuram a nossa identidade. Segundo essa abordagem científica, o
metabolismo interno é uma forma de pensamento, um pensamento organísmico, e a
forma de pensamento precede as palavras sendo um processo transmitido por
tradição genética.
Enquanto isso,
na visão do yoga, vemos o início da vida humana num corpo pelo surgimento dos
veículos de manifestação do indivíduo em três corpos (śarīra): corpo causal, sutil e grosso (karana, sῡkṣma e sthula
respectivamente). Esses corpos possuem invólucros, que são camadas sutis que
nos dão a falsa impressão da limitação e encobrem o Ātmā, ou nosso Eu Real.
Ø O karana śarīra é corpo causal
porque é a causa dos nascimentos por ser a ignorância do Ātmā. O invólucro que
encobre o Ātmā neste corpo chama-se ānandamaya
kośa e nos faz crer que as experiências de felicidade (que na verdade são
originárias do Ātmā) sejam vistas como originárias do mundo devido à
ignorância.
Ø O Sῡkṣma śarīra é o corpo
sutil constituído pela mente, o intelecto e o prāṇa. Este corpo tem três invólucros que chamam-se vijñanamaya kośa (que nos dá a noção de
individualidade e julgamento), manomaya kośa
(que nos dá a percepção do mundo exterior como instrumento psíquico da mente) e
prāṇamaya
kośa (onde se desenvolve a maior parte da atividade psíquica pela
atividade dos cakras).
Ø O Sthula śarīra é o corpo
físico com o qual nos deparamos visualmente para abordamos todo esse universo
sutil até chegarmos à Realização de nós mesmos. Seu invólucro chama-se annamaya kośa, que significa bainha do
alimento, cuja formação são os cinco elementos grossificados.
Analisando sob o
ponto de vista grossificado, temos os músculos como principais veículos de
trabalho em nossas práticas yoguícas. Uma vez que os músculos estão ligados a
todas as camadas do cérebro e da medula espinhal, podemos visualizá-los como
nervos grossos (considerando cérebro e músculos um órgão único). Os músculos
sustentam a postura, executam ações e proveem informações sobre identidade e
limites. Os três tipos de músculo (estriado esquelético, estriado cardíaco e
liso) recorrem a três padrões de bombeamento: a cadência rítmica da bomba
cardíaca; a onda longa, uniforme, contrátil e lenta dos músculos lisos; e a
duas ondas dos músculos estriados, a fásica, rápida de ação limitada como a do
bíceps, ou a de longa duração e estável como a dos músculos antigravitacionais
e da coluna vertebral. Quando os músculos e seus bombeamentos estão rígidos
devido ao medo, densos por desafio, inchados por falso orgulho ou em colapso
por falta de suporte, nossa autoestima se debilita e o autodomínio enfraquece.
Os ossos por sua
vez nos dão apoio e firmeza, mas também dão proteção às delicadas estruturas
que mantêm seguro o local sagrado em que as células sanguíneas se oxigenam e as
células brancas proporcionam imunidade e autorreconhecimento. Uma mãe é capaz
de dar suporte ao filho porque seus ossos jovens não se enrijeceram suficientemente
ainda. Quando não recebemos esse suporte de nossos pais na infância, tentamos
obtê-lo pela contração exacerbada dos músculos que sustentarão os nossos ossos.
E se esse recurso nos falha, sentimo-nos em colapso e carentes de
autoconfiança. As diversas contrações musculares vão deformando nossos ossos,
da mesma forma que uma expressiva falta de tônus muscular pode gerar a perda de
suporte. Esse aspecto impresso e registrado em nosso corpo físico pode também
ser visto em nosso corpo sutil pelo
desequilíbrio energético do primeiro cakra,
mῡlādhāra cakra.
Cada um dos cakras representa um nível de
consciência com necessidades básicas e registros de uma visão pessoal do mundo
e de si mesmo inerentes a cada nível. Portanto, as impressões vivenciadas em
nossos corpos, desde a fase intrauterina, vão sendo registradas tanto no campo
energético quanto no campo físico. O mῡlādhāra cakra relaciona-se com nossos
instintos básicos de autopreservação, nossas vivencias mais arcaicas e
primitivas. Se na primeira fase de nossa existência humana experimentamos
muitas instabilidades, nossos tecidos corporais nos transmitirão informações
que nos levarão a desenvolver apego ou negação na forma de lidar com as
necessidades materiais de sobrevivência, e nossa saúde física de forma geral
será afetada. Isso acarretará um desequilíbrio neste cakra.
No panorama
físico, os efeitos desse desequilíbrio podem ser diversos, por exemplo: quando
as articulações sofrem dano ou uma doença, o enrijecimento compacta o
organismo, eliminando os espaços dessa grande bomba pulsátil que é o nosso
corpo; as sensações se perdem (sensações de alongamento e contração) e a
redução da sensibilidade afeta a imagem corporal e o sentimento natural de se
mover com confiança. Como exemplo disso podemos destacar situações em que pais
que não carregam os filhos, ou deixam de dar a continência suficiente nos
primeiros meses de vida, podem levar a criança a enrijecer os músculos a fim de
obterem a necessária sensação de suporte. Os reflexos na fase adulta da vida
podem ser uma profunda sensação de ansiedade quando essas pessoas tentam
desfazer suas contrações musculares, porque lhes falta o suporte interno nos
ossos e nas articulações.
Obviamente, do
ponto de vista da visão do yoga, é a ignorância de si mesmo que leva o
individuo a vivenciar tantos sofrimentos tanto na esfera física quanto mental.
Entretanto, é importante conhecer os desdobramentos desse círculo vicioso do samsara nos processos mais delicados de
construção do complexo corpo-mente. Afinal de contas, é com os corpos humanos
que nos deparamos quando nos propomos a ajudar outros seres humanos nessa
empreitada, o sadhana para a
libertação!
v RESPIRAÇÃO E CIRCULAÇÃO
PRÂNICA
Depois de
músculos e ossos, temos toda uma vasta árvore sanguínea. A circulação sanguínea
tem sob sua regência um órgão extremamente especializado, o coração. O coração
é a bomba central que promove as trocas de sangue e gases em todo o corpo,
enviando fluidos energizados para todas as células que formam esse corpo
aparente, sthula śarīra.
Também neste
segmento, a rigidez ou fraqueza do músculo esquelético cardíaco pode afetar o
funcionamento do coração e também dos pulmões, gerando assim sentimentos de
ansiedade e inadequação. A respiração é diretamente afetada e as restrições na
qualidade da respiração vão gerando enrijecimento de varias partes dessa árvore
sanguínea, ocasionando problemas mecânicos e emocionais concomitantemente. A
respiração é uma forma especializada de pulsação, significa vivificar, sabemos
que não somente pela simples presença do ar mas principalmente pela absorção do
prāṇa. Uma vez que os batimentos
cardíacos e a respiração estão interligados, eles se influenciam mutuamente; e
quando o coração falha por falta de energia, o trabalho da respiração aumenta e
vice-versa.
O corpo inteiro
é um tubo que pulsa em ondas de expansão e contração na respiração, se falta
flexibilidade suficiente e extensa motilidade neste tubo ficamos ainda mais
limitados, seja nas ações que podemos realizar ou nos sentimentos que
permitimos que emerjam. É simples assim, se os músculos não recebem sangue e
oxigênio suficiente, nossas ações ficarão limitadas, se o cérebro recebe pouco
oxigênio, ficaremos apáticos, insensíveis, desatentos. Entretanto, o
recebimento exagerado do oxigênio no cérebro gera ansiedade, pois somos
impelidos a agir. Por isso, mesmo sob o ponto de vista fisiológico, podemos
constatar que a pulsação tubária e a respiração são mais do que situações
anatômicas, são estados de espírito!
E essa pulsação
tubária se faz no corpo físico pela presença dos diafragmas. Em nosso conteúdo
anatômico temos algumas configurações que recebem o nome de diafragma, pois são
estruturas teciduais que sofrem alterações de contração e expansão promovendo o
deslocamento de ar e gerando diferentes pressões.
Os diafragmas
que constituem nosso corpo físico auxiliam o processo da respiração nos níveis
mais profundos, pois eles aumentam e concentram o fluxo de pressão no corpo
todo. Abaixo, estão relacionados os diferentes diafragmas do corpo grosso para
que possamos ter consciência de como ocorrem os mecanismos de manobras de
pressão e, portanto, de energia em nosso corpo físico:
Ø O primeiro diafragma situa-se nas camadas do crânio, na duramáter e nos
ossos, e se estende até o sacro pelo revestimento crural da medula. Esse é o
diafragma cerebral e sua pulsação tem um ritmo próprio de 14 batidas por
minuto.
Ø O segundo diafragma é formado pela membrana da duramáter junto com a
expansão do tronco cerebral, o revestimento da medula espinhal e os músculos
occipitais do forame magno. Ele regula a pressão interna da cabeça.
Ø A língua, o palato e todo o teto da boca, os músculos nasofaringianos, a
glote, os ossos hioides e os músculos da clavícula constituem o que podemos
chamar de assoalho pélvico do cérebro e formam o terceiro diafragma. Além de
regular o fluxo de pressão na traqueia, esse diafragma ajuda na postura ereta
pelo controle da pressão que vem dos pulmões.
Ø O quarto diafragma separa o tórax do abdomen e é constituído pela caixa
torácica, músculos intercostais e intertorácicos e as duas abóbadas do
diafragma. Aí se localizam os pulmões e o coração, os tubos do esôfago, aorta,
nervo pneumogástrico e veia cava.
Ø O quinto diafragma é o abdomino-pélvico e é formado pelo teto do
diafragma, coluna lombar, ligamentos, músculo psoas-ilíaco e assoalho pélvico.
Neste segmento estão os órgãos da digestão, excreção e sexualidade, e este
diafragma realiza oposição à força descendente da pressão interabdominal que
ocorre com a inalação.
Muitas vezes,
desde pequenos, cortamos a respiração quando temos medo ou quando nos machucamos.
Se tentamos não chorar ou gritar, prendemos a respiração, assim, acabamos por
respirar somente quando “temos tempo” ou para exprimir algum alívio. Respirar
superficialmente, irregularmente, acaba tornando-se um meio eficaz de não
termos mais sensações, falta-nos oxigênio e nossos órgãos vão perdendo
velocidade, reduzindo nossas possibilidades de experiência sensorial e emotiva.
Após uma vida de
registros comportamentais como os acima mencionados, vamos estabelecendo
padrões que ficam impressos na esfera visível e não visível do jīva. Toda esta leitura é feita em nosso
corpo sutil por suas interferências diretas na energização dos cakras. Se
passamos muito tempo de nossas vidas vivendo a partir de experiências
sensoriais e emotivas reprimidas, certamente, acabaremos por desequilibrar
energeticamente o anāhata cakra,
nosso quinto cakra.
O sistema de
cakras oriundo da formação do corpo sutil, ou sῡkṣma śarīra, é o
principal instrumento de trabalho do sistema tântrico de yoga, entretanto, os corpos
causal e físico também são expressamente influenciados em todo o processo do yoga. Abaixo, vamos explorar um pouco mais a circulação prânica
antes de voltarmos à análise dos acontecimentos anatômicos no próximo capítulo.
Sabemos que a
necessária circulação de energia por todo o corpo sutil se dá pelas nadīs, que são canais ou fluxos sutis de
vibração que se ramificam cobrindo todo o nosso corpo sutil e físico, sendo que
no corpo físico não são visíveis aos nossos olhos porque nossos sentidos são
lentos demais para alcançarmos a velocidade das vibrações energéticas. Podemos
dizer que os caminhos das nadīs se
confundem com os das veias, artérias, vasos linfáticos e todos os canais que
carregam água, sangue e fluidos de forma geral no corpo grosso.
Quando o
oxigênio nos falta, falto-nos também o prāṇa, que recebe também o nome de vayu em sua forma cósmica; e cada cakra tem um vayu com funções específicas. Para a inspiração, o vayu prāṇa
localizado no anāhata cakra; para as
eliminações, o vayu apana, localizado no mῡlādhāra cakra; para a assimilação, o vayu
samana, localizado no manipura cakra; para a distribuição, o vayu
vyana, localizado no svadhisthana cakra; e para a ação de inversão, o vayu uddhana,
localizado no viśuddha cakra. A energização dos cakras repercute na energização dos
plexos nervosos ligados ao Sistema Nervoso Autônomo, sendo assim, por ser
autônomo, não temos domínio sobre essas interferências sejam elas inibitórias
ou estimulatórias. Por isso, se o corpo físico e mental gerarem registros
desestruturadores, esses influenciarão diretamente o equilíbrio energético dos
cakras, e na busca de reequilíbrio energético dos cakras podemos influenciar
nesse corpo físico e mental através dos plexos.
Para o Tantra, o
Universo é a interação entre duas grandes forças polarizadas: Śiva e Śākti
(energia do espírito e energia da matéria respectivamente). Aparentemente, isso
nos remete a um dualismo pela visão que temos a partir do nosso nível de
consciência atual, porém, nos níveis de consciência superiores a face real de
todo dualismo é a Unidade. Para uma mente iluminada, o Universo e o Homem são
Um!
No processo da
Criação em Jīva, vamos nos
identificando com cada elemento e, assim, vamos nos “grossificando” até
chegarmos ao elemento mais grosseiro, o elemento terra. É aí que o conhecimento
de quem Eu Sou fica adormecido e a kuṇḍalinī
(śākti) fica presa representando
nossa ignorância. Enquanto a śākti,
ou energia kundalinī, não despertar,
viveremos no mundo da ignorância, sem a descoberta, o despertar de quem
verdadeiramente Somos. A kundalinī é
a ilusão, a ignorância de que Eu Sou. Portanto, despertar a kuṇḍalinī é despertar a Consciência;
enquanto isso não acontece viveremos no mundo das dualidades e conflitos, mas
há muito trabalho a ser feito e o caminho é a busca do autoconhecimento. É aí
que entra o corpo como uma
importante ferramenta desta busca, seja pela execução constante de āsanas, kryās ou prāṇāyamas, o
corpo físico é o facilitador de nossa atuação no sutil e nos mostrar as
trajetórias que devemos percorrer. Quando começamos a nos interessar pelo
Conhecimento mais profundo, pelo desenvolvimento da espiritualidade, podemos
dizer que a kuṇḍalinī já começou a
despertar no cakra básico (mῡlādhāra); apesar de não ter despertado
e não termos atingido o Conhecimento pleno e eterno de que somos Ātmā, já começamos a nossa “subida” em
direção à Realização.
v AS REVELAÇÕES DA FORMA
HUMANA
Cada forma
humana reflete a natureza dos desafios individuais e a maneira como eles afetam
o organismo. Por exemplo: enrijecemos por orgulho ou encolhemos por vergonha,
endurecemos por privações ou colapsamos por preservação. A anatomia humana, com
suas formas específicas e individuais é uma verdadeira morfologia emocional e
reproduz um conjunto de sentimentos humanos.
O corpo tem um
projeto e os vários tubos e camadas, bolsas e diafragmas que o formam agem em
conjunto para dar um sentimento de unidade ao Eu, para produzir um padrão de
pulsação. Os músculos geram sensações de ritmo, contenção, continência,
liberação, encurtamento e alongamento. Os ossos entram com sensações de
compressão e distensão. Os intestinos produzem sensações de inchaço, plenitude
e esvaziamento. Assim, tecidos ocos, suaves e densos produzem sensações e
sentimentos diferentes, gerando um diálogo sensorial entre as cavidades e os sólidos,
entre câmaras líquidas do cérebro e as células musculares de feixes densos.
Todo esse relacionamento forma um padrão contínuo de consciência.
Agora que já
exploramos aspectos importantes do corpo sob a visão material e sutil, vamos
explorar os acontecimentos anatômicos que o corpo vivencia quando o ser humano
torna-se um ser autônomo e independente, ou seja, quando assume a postura
ereta.
Pela ótica puramente mecânica, a boa postura ereta é quando os ossos se
apoiam uns sobre os outros mantendo-se um alinhamento gravitacional adequado.
Mas, ficar de pé é mais do que isso. Existe uma onda vertical pulsátil
sustentada por um sistema de suporte feito de tubos, camadas, bolsas e
diafragmas. Em condições de equilíbrio, essa onda pulsátil desenvolve movimentos
de expansão em direção ao mundo e de afastamento e recolhimento dele, em ritmos
variados, permitindo que o organismo dê e receba, se afaste e se aproxime.
Assim se dá a organização básica da nossa vida afetiva. Portanto, adotar a
postura ereta inclui organizar-se em diferentes níveis: genético, bioquímico,
mecânico e emocional. Estar de pé significa estar vulnerável, por isso no mundo
animal as partes moles e vulneráveis do organismo ficam mais próximas do chão,
protegidas pelas costas e pelos membros. Ao assumirmos a forma humana obtemos
muitas conquistas, mas também aumentamos nossa exposição ao ambiente. Algumas
conquistas vêm do fato de que aumentamos as informações fornecidas pelos órgãos
dos sentidos (olhos, ouvidos, nariz, boca). Assim, abrimos caminho para
encontros mais íntimos, mas também para ameaças e perigos. Visto nessa ótica,
estar ereto é mais do que ficar de pé, é um evento sócio-emocional que requer
uma rede social e interpessoal para se realizar.
Nossa história
pessoal e emocional influencia o desenvolvimento e a expressão da forma humana.
O cuidado, suporte e transmissão de experiências que a família fornece à
criança que está se transformando em adulto completam o desenvolvimento da
forma humana. Pois, as possíveis agressões (que são os eventos internos ou
externos que despertam nossos reflexos de defesa) oriundas desta fonte geram
reações físicas de contração de músculos, suspensão da respiração, entre
outras, em nossos corpos. Se a agressão é grave e se sustenta por um bom tempo,
o padrão de defesa se aprofunda. Se a agressão continua e as posturas de fuga
que adotamos naturalmente não a reduzem, nós nos encolhemos, escondemos,
rendemos ou colapsamos. Sendo assim, os perigos internos e externos que vivemos
criam reações que mudam nossa forma, e quanto mais persistente for a situação
mais estrutural será esta mudança. Isso é o estresse!
O organismo lida
de duas maneiras com as agressões que recebe de forma contínua ou cumulativa:
resistindo ou cedendo. Quando o organismo resiste, fica em pé perante a
agressão a fim de repeli-lo. Quando cede, o organismo se rende, aceitando a
agressão e recuando para um nível inferior de funcionamento. Na resistência, o
organismo torna-se mais sólido, enrijecido ou retesado, e cria mais forma,
estrutura, limites e solidez. Ao ceder, o organismo amolece, rende-se, cria
menos forma, estrutura, limites e fica mais liquefeito. Assim vão-se formando
os padrões somáticos, que são processos de uma profunda autopercepção, um modo
de sentir e conhecer o mundo. Os padrões são mais do que mecânicos, são uma
forma de inteligência que promove uma autorregulagem contínua. São também, do
ponto de vista anatômico, fenômenos estratificados e tubários que despertam
estados musculares da cabeça aos pés, onde músculos e órgãos não estão apenas
contraídos, mas organizados em uma configuração.
Através das
considerações anteriores, podemos dizer que para compreender um indivíduo, é
preciso ser capaz de determinar que configuração pode ser dominante e que
outras configurações complexas podem estar presentes, de que modo elas afetam a
pessoa emocional e somaticamente. Uma vez que essas configurações tornam-se
nossa maneira de reconhecer esse mundo e a nós mesmos, também são uma maneira
de nos revelar para o mundo.
Na visão do
Tantra, para lidarmos com o indivíduo que busca a evolução e a diminuição dos
sofrimentos, o equilíbrio dos cakras,
que são os vórtices de energia espalhados por todo o corpo e a liberação do
fluxo energético do corpo sutil é fundamental. Conhecemos bem a localização dos
sete principais cakras ao longo de
todo o eixo vertical do nosso corpo, desde a base do tórax (coluna) até o topo
da cabeça. Na visão anatômico-emocional mais contemporânea, também podemos
visualizar os processos de desequilíbrio energético desses cakras sob uma ótica mais física, e até mesmo visível.
Conforme
conhecemos melhor nosso corpo físico, por dentro e por fora, podemos perceber
que alguns pontos específicos do corpo caracterizam-se por haver mais
compressão ou contenção, e outros em que isso não ocorre. Ou seja, há uma
regulagem maior da pressão e especialização dos segmentos. Alguns exemplos são
úteis para visualizarmos esses processos: algumas pessoas encolhem o pescoço
até que os espaços entre a cabeça e o tronco desapareçam; outras contraem a
cintura a fim de separar o abdomen da pélvis; e outras incham como defesa
alternativa. Quando apertamos um segmento, aumentamos a pulsação, quando
afrouxamos, diminuímos a pulsação; e quando apertamos alguns segmentos ao mesmo
tempo em que afrouxamos outros, criamos uma pulsação desordenada.
Ao fazermos a
leitura do corpo e da vida de uma pessoa, devemos ter em mente toda uma
configuração particular que se desenvolveu até então tanto no corpo sutil
quanto no corpo físico. Uma vez que a proposta no trabalho tântrico é
buscar o equilíbrio dos cakras, é importante que tenhamos o conhecimento dos
fatos concretos que esse desequilíbrio ocasiona. Por exemplo, pela disfunção
energética do anahata cakra o
indivíduo pode desenvolver uma bronquite asmática. Mas, nossos sentimentos
também podem interferir nestes desequilíbrios. Quando as correntes pulsáteis se
amortecem, se imobilizam, são superestimuladas ou concentradas, uma forma
somática se estabelece expressando aquilo que vivenciamos. Por exemplo, na asma
existe um conflito, pois os pulmões não sabem se devem expirar ou inspirar; a
estrutura não pode respirar ou não respira embora esteja tentando fazê-lo; o
peito quer descer para ajudar a expiração, mas não consegue e então permanece
elevado; embora o cérebro grite para receber ar, os alvéolos não conseguem se
contrair e ficam abertos; ou seja, a respiração fica prejudicada porque nem a
inspiração nem a expiração se completam. Assim ocorre um conflito pulsátil, que
vai produzir padrões corporais em que uma camada do corpo pode estar em
bem-estar funcional, enquanto outra está superestimada e uma terceira, inibida.
Os reflexos de uma disfunção devem ser olhados atentamente de indivíduo para
indivíduo, pois ao adotarmos um padrão de reação à uma agressão, muitas vezes,
podemos nos reprimir, inibindo os músculos de ação do esqueleto, enquanto, ao
mesmo tempo, estamos nos tornando hiperativos por dentro com órgãos e glândulas
em pleno processo de ebulição, ou vice-versa.
v Considerações
Finais
Os seres humanos são configurações emocionais
complexas, sem forma perfeita, tipo ideal, nem estrutura melhor do que a outra.
É preciso termos em mente que no final das contas, sob a ótica da visão dual e
da vida universal, as formas somáticas são consequências das tentativas humanas
de amar e ser amado. E essa história, cheia de experiências emocionais de cada
indivíduo, pode ser encontrada em todos os seus tecidos corporais. A estrutura
somática reflete as regras de proximidade e distanciamento, ternura e asserção
aprendidas na família de origem. As agressões sofridas são impressas em cada
célula, criando uma imagem somática, emocional e psicológica que se entremeia
com todos os eventos de vida associados.
Todo tipo de educação somática, inclusive o trabalho
do yoga que também pode ser visto desta forma até certo ponto, leva o indivíduo
a entrar em contato mais profundo com os fundamentos vivos da existência, que
são as ondas pulsáteis que geram excitação, sentimento, pensamento e ação.
Nessa busca de educação somática, diversas técnicas foram surgindo, mas nem
todas são apropriadas para todos os indivíduos, pois seja no campo da dança,
psicodrama, conscientização sensorial ou grounding,
cada uma delas deve ser considerada sob a ótica das diferenças individuais
estruturais. Cada estrutura (em colapso, rígida, inchada, etc.) precisa de uma
abordagem específica, pois a tentativa de atender às expectativas de uma outra
pessoa, condutora de uma técnica de educação somática, pode resultar em
respostas emocionais indesejáveis.
Com tudo isso, é importante tomarmos consciência de
que o trabalho do Yoga, seja na visão tântrica ou noutro tipo de abordagem, se dá diretamente com o individuo e utiliza seu corpo
como ferramenta. Ao lidarmos com o corpo, mesmo que tenhamos claro em nossas
mentes as limitações e efemeridades desse corpo, precisamos conhecê-lo em todas
as suas vertentes. Ou seja, é preciso aprender e repensar a anatomia como mais
do que um simples material estático. Na realidade, esta ciência diz respeito a
um processo vivo e dinâmico na forma que nos foi dada pela natureza, na forma
que criamos como partes de uma sociedade ou família, na forma que estamos
moldando neste exato instante. É também um mistério, pois somos nós, jīva, como formas de sentir.
“Conhecer
a anatomia emocional é experimentar as dores do desejo e da decepção, os
conflitos do contato e a luta pela satisfação, o sabor da intimidade e da
individualidade, o conhecimento do amor condicional e incondicional.” Stanley Keleman