O que é Dharma-Karma-Karma Yoga?
A palavra dharma tem origem na raiz
dhr, do sânscrito, e possui vários significados: existir, viver, continuar,
segurar, suportar, sustentar. Sendo assim, vem sendo utilizada em seus vários
sentidos tendo em vista as várias traduções utilizadas, sendo as mais comuns: retidão, virtude, dever. Num sentido
mais amplo, dharma significa a natureza ou caráter de um ser ou objeto
inanimado, por isso, podemos falar que plantas, animais, etc., possuem seu
dharma. Por exemplo: o dharma de uma vaca é dar leite e pastar (não inclui
espreitar e matar presas), do fogo é gerar calor e luz, e assim por diante.
Seguindo esta ótica, segundo a visão
dos Vedas, a natureza do ser humano é
a plenitude absoluta. Entretanto, em
relação ao indivíduo, o dharma pode
ter diferentes nuances de significado, uma vez que o indivíduo ainda não
reconheceu sua própria plenitude.
O conceito mais evidente de dharma é
a ética que regula os desejos do indivíduo que busca o autoconhecimento. Os
desejos de riqueza, segurança e prazeres sensoriais são comuns a todos os seres
vivos. Nos animais, a busca desses desejos é governada pelo instinto. Quanto ao
ser humano, cada um tem a opção de agir em harmonia com sua natureza em relação
aos outros indivíduos numa sociedade, ou pode não fazê-lo (livre arbítrio).
Sendo assim, não são os instintos, mas os valores que governam a busca por artha e kama (desejos e prazeres) no ser humano. O que dá fim a todos os
desejos e objetivos é mokṣa (a liberação, que é o
reconhecimento da própria natureza como plenitude). Até que se alcance essa
plenitude, as leis do dharma funcionam com linhas de ação que norteiam a nossa vida.
Importante lembrar que cada indivíduo deve ter um conjunto de linhas de conduta
que governe seus valores, já que os valores são sujeitos a variações e
mudanças. Esse conjunto é a ética, também chamado de Dharma. Então, dharma inclui uma ética no bom senso necessário na
escolha das nossas ações e a consciência de que todas as nossas ações geram
resultados, seja nesta ou noutra existência.
Nos Vedas, as consequências de nossas
ações chamam-se punyam e papam, que
significam mérito e demérito respectivamente. As ações que tomamos na vida e
que geram punyam-papam são o que
chamamos de karma. Se damos valor às
nossas ações, prestando atenção a elas, seguindo o dharma, podemos dizer que
levamos uma vida de karma yogi!
Yoga
Antes de entrarmos no conceito de
karma yoga, vamos dar uma pincelada no conceito de yoga e de karma. Atualmente,
existem alguns enganos no uso do termo YOGA, pois alguns autores classificam o
yoga subdividindo-o em tipos de yoga,
por exemplo, bhakti yoga (yoga
devocional), jñana yoga (yoga do
conhecimento), dhyana yoga (as
meditações do yoga), karma yoga (yoga
da ação, como é traduzido comumente), hatha
yoga, sistema de Patañjali, etc.
Entretanto, esses, entre muitos outros, são sistemas ou caminhos do Yoga
que vão se adequar ao temperamento de cada indivíduo, são simplesmente
atividades que compõem o YOGA. Tudo é o mesmo yoga. Yoga é o estilo de vida
baseado no ensinamento védico cujo objetivo é o autoconhecimento,
compreendermos nossa verdadeira natureza, nossa relação com o Criador e a
Criação.
Outro engano comum é com relação aos
estilos de prática de posturas do Hatha Yoga (a parte física do yoga). A
diferença no estilo ou método de prática dos āsānas e prānāyāmas dá a
impressão de que há vários Yogas, mas Iyengar,
Ashtanga, Vinyasa, etc., são apenas estilos diferentes de praticar as
mesmas posturas, que também vão se adequar ao temperamento de cada um. Ou seja,
é tudo Hatha Yoga.
Yoga é um conjunto de técnicas que
visam o equilíbrio do individuo para que ele possa descobrir-se como ser
completo. E a descoberta desse ser completo, adequado em si mesmo, que não
depende de situações para ser feliz, é o objetivo dos Vedas.
Karma
Quanto ao termo karma, a palavra
sozinha significa ação. No sentido pleno, são ações que fazemos na vida. Mas,
há outra abordagem de karma que, segundo a tradição védica, relaciona-se com a
posição em que nos encontramos agora na sociedade. Segundo os Vedas, há três
tipos de karma:
1. São situações potenciais que
poderemos viver, como sementes em depósito aguardando a hora de germinar e que
só germinarão se encontrarem solo fértil. Nesse tipo de karma, nós podemos agir
para neutralizar o poder germinativo desses acontecimentos, ou seja, mudar ou
evitar aquilo que estaria para acontecer. Para
isso, é necessário o autoconhecimento!
2.
É
o que estamos vivendo agora, o que costumamos chamar de destino, o que foi
escrito e condiciona nossa vida atual como: tipo físico, condições
psicológicas, biológicas, sociais, etc. Chama-se prarabdha karma. Portanto, são as experiências que temos que
viver, na forma de oportunidades, a fim de ultrapassarmos nossas dificuldades.
Dessa forma, as situações se repetem na vida da pessoa até que ela esteja
preparada para a situação, neste momento, ela não precisará mais viver a
experiência porque já ultrapassou a dificuldade.
3. O karma que está sendo criado agora,
por isso temos plena administração sobre ele. É o nosso livre arbítrio relacionado
com nossas ações, palavras e pensamentos nesta vida de onde poderemos colher
frutos ou urtigas. Para isso, é
necessário o autoconhecimento!
Karma Yoga
A partir desses esclarecimentos,
podemos voltar ao karma yoga, atitude de yoga. Como vimos acima, Karma yoga não
é mais um tipo de yoga nem a ação do trabalho voluntário, apesar desse termo
ser usado por alguns para se referir a atividades sem remuneração nos ashrams da Índia ou na sociedade. Na
realidade, esse tipo de trabalho chama-se seva.
Karma yoga é a maneira como o yogi se
comporta diante das ações (karmas) na sua vida.
Na Bhagavad Gītā, a história de Arjuna nos revela que existem dois
estilos de vida para o autoconhecimento: a renúncia,
em que o renunciante se dedica exclusivamente aos estudos por dom ou
temperamento, e o karma Yoga, para
os que desejam continuar inseridos na sociedade, porém com a vida direcionada
para a busca espiritual. Não é uma questão de repressão ou disciplina rígida,
mas a opção de uma vida normal como um meio para autoconhecimento. Sendo assim,
na visão védica, a pessoa normal (que não está voltada para o autoconhecimento)
faz karma (ações) e a pessoa espiritualizada (que busca o autoconhecimento) faz
karma yoga. Assim, o termo yoga está junto de karma apenas para dar esse
sentido, de que a ação é Yoga. Vivemos a vida com a atitude centrada nos
valores do yoga ao executar nossas ações e com a atitude centrada nesses mesmos
valores ao receber o resultado dessas ações. Uma vez que a vida de Yoga passa
por aprendermos a viver em harmonia com Deus/Poder Supremo/Força Universal,
qualquer ação do nosso dia-a-dia é oferecida
à Criação. Esse oferecimento não é para alguém ou algo que esteja fora, que
sejamos capazes de deixar zangado ou que tenha um sentimento de falta que caiba
a nós preencher. Nesta ótica, Karma yoga consiste em fazer a ação na forma de um oferecimento à Criação, como as que
oferecemos a um ente querido, e receber
os resultados como vindos da própria Criação de acordo com nossas ações
passadas (punyam-papam). Karma yoga é
uma atitude na ação que representa uma maturidade no objetivo de vida, onde o
autoconhecimento é o foco e a clareza de enxergarmos as limitações das nossas
ações vem junto com o entendimento de que o resultado das ações não depende de
nós. É dito que qualquer tipo de ação pode produzir quatro tipos de resultados:
Igual à
expectativa
Menor que a
expectativa
Maior que a
expectativa
Totalmente
diferente do esperado
Ex.: A pessoa
atravessa a rua pra pegar um ônibus e: o ônibus passa bem na hora e ela entra
feliz; o ônibus demora a passar e vem lotado; antes do ônibus passar, o colega
de trabalho oferece uma carona; ou, a pessoa acordo três dias depois na cama de
um hospital porque o ônibus passou rápido demais!
Todos esses resultados são possíveis.
Assim, quando cada resultado ou situação surge na nossa vida, aceitamos como
uma atitude de reverência de quem está recebendo algo que vem do próprio
Criador, não importa se é doce ou amargo, é o que está sendo apresentado
naquele momento.
Se tivermos o autoconhecimento como
objetivo na vida, toda ação se torna uma possibilidade de crescimento, exatamente
o que é preciso ser vivido por nós. Sem canalizarmos nossas expectativas,
ficamos a mercê do mundo. Nós somos responsáveis pela ação e a Criação é
responsável pelo resultado da ação. Essa maneira de tomar as decisões e encarar
as situações na vida é a espinha dorsal do que chamamos de YOGA. O yogi, portanto, é a pessoa que traz karma yoga para a sua vida; karma yoga está embasada nos Vedas, sendo assim, a essência do Yoga está nos Vedas.
KARMA YOGA É A SÁBIA GERÊNCIA SOBRE
AS AÇÕES PARA PRODUZIRMOS UMA COLHEITA MELHOR, E ESTA COLHEITA NÃO É GERAR
COMPENSAÇÕES NO FUTURO, MAS ALCANÇAR MOKṢHA!
*Texto compilado a partir de textos sobre o assunto de autoria de Glória Arieira, Swami Dayananda e Jonas Masseti.
Querida Gláucia,
ResponderExcluirapenas com o intuito de enriquecer este seu otimo e esclarecedor texto, transcrevo trecho do livro "Iniciação ao Yoga" do Professor Hermogenes, dando nome aos "bois"(karmas) e trazendo a ilustração que citei no satsanga:
"Em resumo, há não um, mas tres karmas:
(A)SAMCITA - o acumulado ou potencial ou programado, isto é, aquilo que virá a acontecer. Sobre ele, por meio de processos, técnicas e métodos de Yoga, podemos agir para neutralizar seu poder germinativo ("fritar as sementes", na linguagem de Patanjali). Seria como evitar ou mudar o que estaria para acontecer.
(B) PRARABDHA - aquele que está se cumprindo, também chamado "Karma Maduro", o qual já não se pode evitar, corrigir, mudar. Só nos é possível padece-lo ou desfrutá-lo com equanimidade e sabedoria. E isto também é Yoga.
(C) VARTAMANA OU AGAMI - sobre o qual temos plena administração, por ser aquilo que estamos fazendo no presente. Nosso livre arbítrio delibera e faz opções: praticar ou não a ação; conduzi-la num adireção ou noutra. Voce tem domínio sobre a ação (karma) que agora está praticando. Pode optar por contrair dívidas ou ganhar crédito. Plantará frutas ou urtigas.
Imagine um ARQUEIRO que tem uma seta no arco retesado, tem mais algumas na aljava às costas e há uma que acabou de disparar, voando para o alvo. As setas da Aljava representam o SAMCITA; a seta no arco o AGAMI; e finalmente, a seta atirada, o PRARABDHA. Parece assim não restam dúvidas. Não é?
A sábia gerencia sobre as ações (karma) é o que se denomina KARMA YOGA, produtora de melhor colheita no futuro. O que, no entanto, é infinitamente mais sábio e importante é utilizar da Lei do Karma para nos libertarmos do dominio da morte ("renascimentos compulsórios"), para alcançarmos a vida Una e Unica. Karma Yoga não existe para assegurar compensações em futuro nascimento, conforme se tem pensado no Ocidente. Existe para nos ajudar a escapar de novos nascimentos, para nos liberar do SAMSARA".
Beijos,
Tais.