Durante nossa vida, e
principalmente na infância, amigos, pais, professores, nos ensinam como devemos
ser, muitas vezes nos "educam" com "mandamentos" que eles
próprios têm dificuldades de cumprir. O que esquecem é que ensinar, e educar, é
uma questão de agir com coerência. A criança observa preciosamente o que
seus pais fazem e acaba repetindo essas atitudes, ainda que o discurso seja
diferente. E se nos observarmos em nosso dia-a-dia perceberemos como é fácil se
perder no alinhamento entre pensamento-discurso-ação. Quantas vezes dizemos que
devemos aceitar o outro como ele é e, em seguida, criticamos e julgamos as
atitudes dos nossos pais, cônjuges, filhos, etc.
É difícil aplicar a
coerência entre o pensamento, a fala e as ações em nossas vidas, mas não é
impossível. O apego aos padrões automatizados é intenso, vivemos numa
sociedade que se julga culpada e pecadora há anos e recebemos lições sociais
diárias que nos mostram que esperto é quem pega o seu pedaço do bolo
primeiro. Viver no "piloto automático" pode ser uma opção, todos
temos direito a isso, mas ter as rédeas da nossa vida nas mãos nos dá a
condição de construirmos algo que esteja em harmonia com nossa Essência, nos
permite saber quem somos de
fato, o que realmente queremos, onde queremos chegar. Quando chegamos neste
ponto de autoconhecimento e busca interna, sentimos a necessidade de
transformar padrões e realizar mudanças e, aí, nos deparamos com a importância
de estabelecermos os valores éticos universais.
O que é um valor?
Podemos defini-lo com uma norma de conduta originada na maneira pela qual eu
desejo que os outros me vejam ou me tratem. O que eu desejo dos outros deve
tornar-se meu padrão de comportamento, meu comportamento adequado. Em
sânscrito, um comportamento adequado também é o significado do tão conhecido
termo dharma. Portanto, se eu quero que falem-me a verdade,
falar a verdade é dharma para mim. Dessa forma, as normas
éticas não são regras arbitrárias criadas pelos homens; elas são o fruto de uma
consideração inerente ao seu próprio interesse e conforto. E esses valores
éticos podem sofrer algumas variações culturais, mas, basicamente, possuem uma
certa universalidade. Entretanto, por serem universais não significa que sejam
absolutos. De acordo com as diferentes situações, muitas vezes, precisarei
relativizar meus valores apesar de manter seu conteúdo universal.
Amparado na visão dos
ensinamentos védicos, swami Dayananda nos mostra a importância
de apreciarmos cada valor ético universal, além de adquirirmos nossos
valores de forma pessoal e completa. O valor que fala da coerência é arjavam. Arjavam significa retidão, e,
ao representar um valor ético universal, a palavra assume um significado mais
amplo, sendo a conduta de uma pessoa de acordo seus padrões éticos. É a coerência entre os
pensamentos, as palavras e os atos. Isso é possível para aquele que é
autêntico, que se aceita como é, que reconhece tanto as suas limitações quanto
as suas habilidades. Podemos considerar este valor como uma extensão de satya (falar a verdade), porém arjavam é ainda mais abrangente, pois inclui
não apenas a linguagem mas também os pensamentos e as ações.
O não-alinhamento
entre pensamentos, palavras e ações resulta numa pessoa dividida, desintegrada,
não inteira. Quando satisfazemos um objetivo imediato às custas do valor
universal, podemos obter um conforto passageiro, mas a longo prazo haverá o
desconforto gerado primeiro pelo conflito, depois pelo aumento do acúmulo de
culpas inevitável. Os conflitos aparecem quando somos incapazes de viver de
acordo com um determinado valor aceito por nós, consciente ou
inconscientemente.
O conteúdo universal
dos valores só pode ser descartado se não houver na pessoa qualquer preocupação
pela forma como os outros a tratam. Ao desejarmos que uma pessoa se comporte de
determinada maneira, estamos invariavelmente presos a um sistema de valores.
Para que realmente possamos
educar e transmitir os valores universais às pessoas que nos cercam, precisamos
ter esse alinhamento como um valor assimilado. Um valor é assimilado quando a
pessoa o segue naturalmente. No caso de satya (falar a verdade), inicialmente, a
mente tem que deliberar para falar a verdade, porque agir assim talvez envolva
algum sacrifício. Mas quando o valor é seguido constantemente e o valor pela
paz da mente resultante dessa atitude é apreciado, falar a verdade torna-se
natural. Então, a pessoa só consegue falar a verdade. Assim, deixa de ser mais
um valor e torna-se sua própria natureza. Todos os valores deveriam ser
assimilados dessa maneira.
Expandindo ainda mais
nossa visão sobre o papel dos valores éticos na busca do autoconhecimento que
gera as mudanças, podemos acrescentar outra ótica da mesma abordagem através
das seguintes palavras do swami acerca das escrituras sagradas do
Vedanta:
“Todas as escrituras
recomendam valores para serem seguidos como sadhana; são qualidades a
serem adquiridas. Quando se analisa um valor qualquer, verifica-se que ele leva
a um valor: gerar uma mente tranquila e manter a pessoa consigo
mesma. Quando isso é compreendido, a importância ou a necessidade de
seguir valores pode ser apreciada. Senão os valores permanecem apenas como
mandamentos, como “faça e não faça”. O problema principal que as pessoas
têm com os valores é que elas os aceitam sem descobrir o valor
deles. Um pai adverte a filha para falar a verdade. A criança aceita a ordem
devido ao amor e ao respeito que tem pelo pai, mas não
entende porque ela deve dizer a verdade e não dizer uma não-verdade.O
pai não levou a filha a descobrir o valor de dizer a verdade; sua
importância na vida não foi explicada. Isso permanece em sua mente como um
valor não assimilado que não poderá ser relacionado na vida do dia a dia. O
valor de dizer a verdade é de novo confirmado por professores e pessoas
mais velhas, mas a sua relevância para a vida nunca vem a ser compreendida pela
criança.
Quando cresce, a
criança adquire um valor pelo dinheiro e pelo poder. Falar a verdade permanece
apenas como uma obrigação imposta por seu pai e seus professores, e então isso
não tem valor para ela. Mas, ganhar dinheiro tem um valor, porque,
evidentemente, dinheiro é necessário para viver, para obter prazeres e
segurança. O mesmo se pode dizer com relação a obter poder. Os benefícios de
adquirir dinheiro e poder são evidentes, as pessoas desenvolvem então um
valor por eles. Esses valores são assimilados, não são valores resultantes de
obrigações. Se para obter dinheiro e poder for preciso dizer uma não-verdade, a
pessoa a dirá, porque dinheiro e poder são considerados importantes, enquanto a
verdade não o é. Seu valor não foi descoberto. Falar a verdade é
praticado apenas como uma obrigação para com o pai, o professor ou a sociedade,
enquanto os valores por dinheiro e poder são assimilados, valores pessoais. Que
chance possui o falar a verdade quando as coisas importantes na vida são
dinheiro, poder, amigos e influência sobre as pessoas. Falar a verdade é
praticado apenas enquanto for conveniente, enquanto não constituir obstáculo
para a consecução de outros objetivos. Assim, os valores por certas coisas,
como dinheiro, têm sempre a última palavra. Valores como falar a verdade sempre
são sacrificados. A conveniência, não a verdade, torna-se a norma reguladora.
Valores não
assimilados criam conflitos e um sentimento de culpa. A fim de assimilar
valores, é preciso compreender o valor dos valores. Um valor é um valor apenas
quando o valor dos valores é valorado. Uma mente simples, tranquila é
a coisa mais valiosa, porque é isso que a pessoa está tentando obter
através de todos os empenhos na vida. Os valores que ensejam a aquisição desse
estado mental deveriam ser os mais valiosos. Assim, se o valor de falar a
verdade é descoberto como sendo maior ou pelo menos igual a ganhar dinheiro, a
verdade não ficará comprometida por causa do dinheiro. Além do mais, o dinheiro
é para benefício de mim mesmo, não para o dele próprio. Se, então, o dinheiro
não me trouxer felicidade e conforto, eu, certamente, renunciarei a ele."
Para tomarmos posse
do nosso próprio poder, e isso não implica sermos maiores nem menores do que
ninguém mas sim ter nosso espaço sagrado preservado, é preciso vivermos nosso
melhor potencial, nossas melhores possibilidades, sem termos que ser um outro
alguém nem nos deixarmos escolher vivenciar atitudes que reforçam nossas
fraquezas. É preciso nos aceitarmos como somos, mantendo a coerência como a
base das nossas ações para atingirmos as mudanças que desejamos realizar em
nossas vidas, e alcançarmos o desejado estado de equilíbrio.
"É
preciso aprender que cada valor tem como alvo o mesmo objetivo - alcançar
uma mente tranquila - nenhum valor pode ser seguido como um
valor isolado. Não é possível que alguém diga a verdade e seja ao mesmo
tempo pretensioso. Ninguém pode praticar a não-agressão sem ser tolerante.
Todos os valores estão inter-relacionados. De fato, eles constituem apenas
um único valor - o valor por uma mente simples, tranquila -
visto sob diferentes pontos de vista. Todo valor leva a pessoa a ficar
consigo mesma. A vida torna-se simples. Uma mente que usufrui de valores
assimilados é uma mente pura. Essa mente será capaz de apreciar o fato de que é ananda, quando isto lhe for
revelado ou mostrado. Essa pessoa está qualificada para aprender e apreciar o
autoconhecimento",
diz swami Dayananda em seu texto Valores: Diretrizes Para a Ação.
Gostei muito, Glaucia. Tenho essa visão instintiva em mim, talvez trazida de outras existências, mas é um exercício continuo conseguir pratica-la. Essa é uma das características do nsso aperfeiçoamento aqui. Bj. Namaste.
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ExcluirOi! Penso que é isso mesmo... Muitas coisas já sabemos. Ás vezes, trazemos conosco muita sabedoria há tempos, aí, quando nos deparamos com as informações, elas simplesmente fluem e se acomodam facilmente em nossas mentes. Grande bjo!
ExcluirNamaste, Glaucia