(Diálogo de Swami Dayananda sobre Japa)
Japa
O Significado de Japa
Japa é a repetição de uma palavra ou
frase curta durante a meditação. A letra ja
(em sânscrito, as consoantes têm a junção da vogal a, portanto, j (jota) equivale à ja) aponta para aquilo que coloca
um fim ao ciclo de nascimento e morte, e a letra pa aponta para aquilo que remove ou destrói todas as impurezas e
obstruções. Portanto, japa é um
significado indireto para liberação, mokṣa.
Ao destruir as diversas obstruções ao conhecimento, japa pavimenta o caminho para a liberação. Sendo assim, japa é mais do que uma mera disciplina
ou técnica.
Estes diálogos nos trarão um
entendimento da natureza e lógica de japa
e a maneira como ele funciona. Com este entendimento, a pessoa torna-se capaz
de fazer japa com convicção e
mantê-lo adequadamente.
Pensamentos
imprevisíveis
Em dado
momento, uma pessoa tem apenas um pensamento; o próximo pensamento está sujeito
à adivinhação de qualquer um. Porém, quando o próximo pensamento realmente
ocorre, ele terá sido como foi em função de alguma lógica. Na corrente de
pensamentos não há pensamento sem certa conexão com o pensamento precedente. Esta
conexão pode ser inconsistente ou pode ser muito clara e lógica. Mas, o
pensamento em si, nunca é previsível.
Mesmo
agora, eu não posso prever o que direi. Eu simplesmente disse que falaria sobre
japa e comecei. Até mesmo as palavras
que estou dizendo agora não eram do meu conhecimento. O que virá é
imprevisível, mas quando vem, tem a retaguarda da lógica, da razão.
Padrão de Pensamento
Vamos
supor que voce tenha visto um BMW na estrada e ele chama sua atenção. Qual será
seu próximo pensamento? “Como ele tem condições financeiras de arcar com isso?”
Em seguida, “Como ele consegue comprar um carro tão caro? No ano passado ele
nem tinha trabalho. A esposa dele deve ter muito dinheiro. Eu gostaria que minha
esposa tivesse vindo de uma família rica. Quando me casei, não pensei em
dinheiro nem em meu futuro.”
Todos
esses pensamentos começaram a partir da visão de um BMW e, depois, seguiram
determinada lógica. Esta sequencia específica foi apenas uma linha de
pensamento.
Vamos
olhar sob uma nova ótica a visão do BMW: “Os alemães são muito industriais. Apesar
de o país deles ter sido devastado durante a Segunda Guerra Mundial, a economia
deles recuperou-se rapidamente. Eles produzem os melhores equipamentos científicos
do mundo.”
Onde
você começou? No BMW. O que virá a partir do BMW dependerá da imaginação de
cada um. Mesmo no pensamento deliberado você não sabe o que vem a seguir porque
o pensamento é sempre linear, um passo por vez, um pensamento por vez. A conexão
entre pensamentos pode ser uma conexão sintática dentro de uma frase, lógica,
ou uma simples associação. Mas, será sempre uma conexão, fraca ou forte.
No
‘pensamento BMW’, a conexão entre pensamentos não é deliberada. Portanto, o
próximo pensamento pode ser qualquer um. “O símbolo da BMW é diferente. Não é
como a insígnia da Mercedes.” A insígnia da Mercedes faz você pensar numa
estrela e, então, o próximo pensamento pode ser: “Meu signo astrológico não
está favorecido.” Este movimento de um pensamento para o próximo é um padrão de
pensamentos desatentos, um fluxo de pensamentos onde não há direção.
Neste
fluxo de pensamentos desatentos, embora não haja direção, sempre haverá alguma
lógica, alguma conexão. Pode ser uma simples rima, uma palavra lhe remetendo a
outra, uma variedade de outras conexões possíveis. A invariável é que, a todo o
momento, sempre há um ou outro pensamento em sua mente.
Da
mesma forma como no pensamento deliberado, no padrão de pensamentos desatentos,
não sabemos qual será o próximo pensamento. Porém, na prática de japa, definitivamente, é possível saber
o que vem a seguir. Japa pode ser uma
palavra, uma frase curta, uma parte dos Vedas, mas para ser japa precisa haver a repetição.
Se
estivermos repetindo uma palavra ou frase curta, teremos certeza do momento em
que saímos da trilha. No “pensamento BMW”, portanto, pensar na Alemanha e
depois sobre o Mercedes, ou qualquer outra coisa, não é sair da trilha porque
não há trilha. Tais pensamentos simplesmente acontecem. Esse é o significado de
pensamento desatento. Não há direção para eles.
Aprendendo sobre a
mente
Realmente,
não existe um método para aprendermos sobre a mente. Apenas sabemos que estamos
sujeitos a um tipo específico de pensamento. Por exemplo, entramos em devaneio
até que algo captura nossa atenção e, somente então, retornamos.
Existe
alguma coisa que possuímos na nossa de vida de pensamento, que é a nossa vida,
que nos ajude a entender nossas formas de pensar? O que temos para nos ajudar a
lembrar de como direcionar nosso pensamento por um determinado período de tempo
e ter a mente à nossa disposição?
Não
possuímos uma técnica direta. Se tivermos sorte, teremos adquirido alguma
disciplina intelectual na escola que terá nos dado a capacidade para o
pensamento lógico. No processo, poderemos vir a descobrir alguma disciplina,
mas não saberemos que isso é uma técnica; nem a utilizaremos como tal.
Japa como uma técnica
O
exercício da escolha é muito importante em japa.
Se eu escolho cantar uma palavra ou uma frase mentalmente por um período de
tempo, tenho uma técnica em mãos e posso ver o que acontece em minha mente
porque eu sei exatamente o que vem a seguir. Se algo mais surgir, eu sei que
não é o que esperava e eu trago de volta o pensamento escolhido. No processo,
eu aprendo como dispersar pensamentos indesejados e reter aquele que eu
escolhi. Este é um importante resultado de japa
como uma técnica.
Como
uma técnica, qualquer palavra funcionará. Não é necessário invocar o nome do
Divino ou um mantra espiritual.
Qualquer som pode ser um mantra,
como, por exemplo, “gring... gring... gring... gring... gring...”. Se
permanecer repetindo esse som, funcionará. Um pensamento estranho virá
eventualmente, como “O que faz esse tipo de barulho?” “Uma gaita de fole”, pode
ser a resposta. Então, talvez voce pergunte: “O que uma gaita de fole tem a ver
com meu japa?”. Ao retornar para o som, o pensamento sobre a
gaita de fole será dispersado.
Assim,
a repetição funciona como uma técnica para obter alguma disciplina mental; voce
dá a si mesmo uma oportunidade para ver os caminhos do próprio pensamento. Entretanto,
japa de um canto significativo invoca
a pessoa essencial em voce. Voce terá que ser esta pessoa enquanto estiver
fazendo japa.
Intervalo Entre
Pensamentos
A
vantagem da repetição é que voce pode apreciar o intervalo entre duas
sucessivas ocupações da mente. No pensamento desatento sem direção a mente
simplesmente move-se de um pensamento para outro. Esse tipo de pensamento é
como pegar macarrão. Se tentar pegar um macarrão, verá que ele virá junto com
alguns outros. Da mesma forma, a função completa do pensar dá a impressão de
ser um único pensamento, apesar de haver muitos pensamentos.
Entre
dois pensamentos, existe um intervalo. BMW é o nome de um veículo e Alemanha é
o nome de um país. Porque existe uma conexão entre ambos, o intervalo entre
eles é perdido. A repetição de um determinado canto elimina ou evita a conexão
entre dois pensamentos porque, entre um canto e outro, não há conexão.
Cada
canto é uma unidade completa em si mesma, e a unidade de um pensamento não
estará conectada com a unidade do segundo pensamento desde que ambos sejam o
mesmo. Portanto, entre dois pensamentos, existe um ponto; canto... ponto...
canto... ponto. Não há vírgula, somente ponto, um ponto final. Assim, cada
canto é completo e, entre os cantos, o intervalo estará disponível para que voce
possa reconhecer.
Paz na Mente
O
que é que se obtém no intervalo entre cantos? Entre um pensamento com
determinada forma e som e o pensamento seguinte, não há nenhum pensamento.
Existe apenas um intervalo sem forma ou molde. Isso é o que chamamos de paz ou
silencio. Porque esse silêncio não possui uma forma de pensamento especifica,
não o pensamento da maneira como o conhecemos.
Sempre
achamos que paz é alguma coisa que precisamos adquirir. As pessoas até
perguntam: “Swamiji, eu tenho tudo
exceto paz na mente. Como posso ganhar esta paz?” Porque a mente é incansável,
achamos que paz é algo novo que precisamos adquirir, um atributo com o qual
temos que enfeitar a mente. Paz é algo que precisamos adquirir ou é natural?
Certa
vez, fui até um swami. Podia sentir
que ele era uma pessoa que tinha paz consigo mesmo. Estava comprometido com Vedanta,
mas, ao mesmo tempo, tinha muitos conflitos em minhas buscas. Fui até esse swami numa tentativa de resolvê-los. Ele
nunca foi de falar muito, mas me disse uma coisa que realmente me tocou: “Para
a inquietude, é preciso trabalhar muito. Para a paz, o que se pode fazer?” Ao
responder esta pergunta, ele ficou em silêncio, o que achei muito eficaz.
A Inquietude Requer uma
Construção
Para a paz, o que é preciso fazer?
Para a inquietude é preciso trabalhar; é necessário criar uma construção
porque, sem ela, não é possível tornar-se inquieto. O problema é que essa
construção não é algo que fazemos conscientemente. Ela se ergue, como uma
parede que se levanta sozinha. Imagine que voce tem uma pilha de tijolos e eles
simplesmente se agrupam e transformam numa parede. Você consideraria isso um
milagre, mas voce não considera uma construção de pensamentos um milagre porque
isso está sempre acontecendo. Isso é um milagre simplesmente porque acontece. O
fato de os pensamentos se construírem por si só e voce não ter regência sobre
isso, é realmente impressionante!
Existe desamparo em todo o processo.
Alguma coisa dispara uma construção; pode ser uma simples alteração hormonal,
indigestão, o olhar de alguém, um olhar de reprovação, uma mudança climática ou
qualquer outra coisa. Qualquer coisa é o motivo bastante; voce pode estar
escovando o cabelo e alguns cabelos caem! Qualquer acontecimento que voce não
aceita, dá o ponta pé inicial e logo sua mente está ocupada pelo dia inteiro.
A
inquietude requer uma construção progressiva da qual eu, minha própria pessoa,
não sou parte. Ainda assim a construção é minha. Eu não a vejo como diferente
de mim. Eu me vejo fumegando.
O que é isso que não me deixa manter
o controle dessa construção pensamento-após-pensamento? Isso deve-se ao fato de
que todo o padrão de pensamento foi o “pensamento macarrão”, o pensamento
associativo ou sem direcionamento... (continua na próxima semana!)
Autoria de Swami Dayananda Saraswati, editado no Arsha Vidya - Chennai, India.
Tradução: Glaucia Cantergiani
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